segunda-feira, 11 de maio de 2009

Moral, bons constumes e a caixa de Skinner

Fui acusado recentemente de estar numa cruzada contra a moral e os bons costumes cristãos ocidentais, e que o principal veículo dessa cruzada era esse periódico. Oras, vamos aos fatos:

O que eu tenho postado no que diz respeito à religião? Jesus Beer, Bible Fight, uma ou outra decisão polêmica do bispado acerca condutas de terceiros... e só. E em nenhuma dessas eu fui desrespeitoso em relação à coisa. Culpa minha se o humor consegue ser triplicado quando usa de maneira não convencional ícones tão sedimentados na nossa cultura, como, por exemplo, o líder hebraico conhecido como Jesus Cristo? É como fazer piada com a mãe: pode até ser sacanagem, mas é brincadeira.

Outra: minha postura, como dito, nao é desrespeitosa. Apenas direciono certa acidez aos apelos religiosos, e isso é reflexo da minha personalidade cética, como creio ser também o caso do trilobita.

Bom, tirando esse trecho direcionado, vamos à algo mais geral e enriquecedor. Recentemente li um texto de Dawkins (sim, ele mesmo), mas nao escrachando a religião. Ele só relata e analisa de forma breve os famosos experimentos de Skinner (o psicólogo pioneiro do estudo comportamental, não o chefe do Mulder e da Scully, nem o diretor do Springfield Primary School) e sua famigerada caixa. O texto é sim um pouco longo, mas nao é maçante. Digo então aos indispostos que leiam, terminarão antes que percebam e poderão refletir um pouco. Texto retirado do site Ceticismo Aberto, escrito originalmente por Richard Dawkins, composto de fragmentos extraídos do livro Desvendando o Arco-Iris
original em Sociedade dos Cientistas Mortos.


-A Caixa de Skinner

A nossa inclinação a descobrir significado e padrão na coincidência, quer haja um verdadeiro significado, quer não, faz parte de uma tendência mais geral de procurar padrões. Essa tendência é louvável e útil. Muitos eventos e características no mundo são realmente padronizados de uma forma não aleatória, sendo proveitoso para nós, e para os animais em geral, detectar esses padrões. A dificuldade é navegar entre detectar um padrão aparente onde não existe nenhum, e não detectar o padrão onde ele existe. Em grande parte, a ciência da estatística diz respeito a saber orientar-se nessa difícil rota. Todavia, muito antes que os modernos métodos estatísticos fossem formalizados, os humanos e até outros animais eram estatísticos intuitivos bastante bons. Entretanto, é fácil cometer erros em ambas as direções.

Não somos os únicos animais a procurar padrões estatísticos de não-aleatoriedade na natureza, e não somos os únicos animais a cometer erros do tipo que poderia ser chamado de supersticioso. Esses dois fatos são claramente demonstrados no aparelho chamado caixa de Skinner, em referência ao famoso psicólogo americano B. F. Skinner. Uma caixa de Skinner é um equipamento simples, mas versátil, para estudar geralmente a psicologia de um rato ou de uma pomba. É uma caixa com uma chave ou chaves introduzidas numa das paredes, as quais a pomba (por exemplo) pode operar dando bicadas. Há também um aparelho de alimentação (ou de recompensas) que é eletricamente operado. Os dois estão conectados de tal modo que a bicada da pomba tem alguma influência sobre o aparelho de alimentação. No caso mais simples, toda vez que a pomba dá uma bicada na chave, ela ganha comida. As pombas aprendem rapidamente a tarefa. O mesmo acontece com ratos e, em caixas de Skinner reforçadas e adequadamente aumentadas, com os porcos.

Sabemos que a ligação causal entre a bicada na chave e a alimentação é gerada por um aparelho elétrico, mas a pomba não sabe. No que diz respeito à pomba, dar uma bicada na chave bem que poderia ser uma dança da chuva. Além disso, a ligação pode ser um elo estatístico bem fraco. O aparelho pode ser preparado para que, em vez de cada bicada ser recompensada, apenas uma em dez bicadas receba recompensas. Isso pode significar literalmente a cada dez bicadas. Ou, com um arranjo diferente do aparelho, pode significar que em média uma em dez bicadas recebe recompensas, mas em qualquer dada ocasião o número exato de bicadas exigido é determinado aleatoriamente. Ou talvez haja um relógio que determina o décimo de tempo, em média, em que uma bicada vai conseguir recompensas, contudo é impossível dizer qual será esse décimo de tempo. As pombas e os ratos aprendem a pressionar chaves mesmo que, em nossa opinião, fosse preciso ser um bom estatístico para detectar a relação entre causa e efeito. Podem ser treinados para um programa em que apenas uma proporção muito pequena de bicadas seja recompensada. É interessante observar que os hábitos aprendidos quando as bicadas são apenas ocasionalmente recompensadas apresentam maior duração que os hábitos aprendidos quando todas as bicadas são recompensadas: a pomba é desencorajada menos rapidamente quando o mecanismo de recompensas é totalmente desligado. Isso faz sentido intuitivamente, se pensarmos a respeito.

As pombas e os ratos são, portanto, estatísticos muito bons, capazes de captar tênues leis estatísticas de padrões no seu mundo. É presumível que essa capacidade lhes traga vantagens na natureza, assim como na caixa de Skinner. As ações de um animal selvagem não raro são seguidas por recompensas, punições ou outros acontecimentos importantes. A relação entre causa e efeito freqüentemente não é absoluta, e sim estatística. Se um maçarico-de-bico-torto sonda a lama com seu bico longo e curvo, há uma certa probabilidade de que vá pegar uma minhoca. A relação entre os eventos de sondagem e os de encontrar minhocas é estatística, mas real. Toda uma escola de pesquisa sobre animais tem se desenvolvido em torno da assim chamada Teoria da Forragem Ótima (Optimal Foraging Theory). Os pássaros selvagens demonstram ter capacidades bastante sofisticadas de avaliar, estatisticamente, a relativa riqueza em alimentos de diferentes áreas e de dividir o seu tempo entre as áreas de acordo com essa avaliação.

De volta ao laboratório, Skinner fundou uma grande escola de pesquisa usando caixas de Skinner para todos os tipos de finalidades detalhadas. Depois, em 1948, ele tentou uma genial variante da técnica padrão. Cortou completamente o elo causal entre o comportamento e a recompensa. Preparou o aparelho para recompensar a pomba de tempos em tempos, não importava o que o pássaro fizesse. Agora, o que os pássaros precisavam realmente fazer era só pousar e esperar a recompensa. Mas na realidade, não foi isso o que fizeram. Pelo contrário, em seis dentre oito casos, eles desenvolveram - exatamente como se estivessem aprendendo um hábito recompensado - o que Skinner chamou de comportamento supersticioso. Em que isso precisamente consistia, variava de pomba para pomba. Um dos pássaros girava como um pião, dando duas ou três voltas no sentido anti-horário, no intervalo entre as recompensas. Outro pássaro repetidamente lançava a cabeça na direção de um determinado canto no alto da caixa. Um terceiro exibia um comportamento de atirar-se para o alto, como se estivesse levantando uma cortina invisível com a cabeça. Dois deles desenvolveram independentemente o hábito rítmico do "balanço do pêndulo", oscilando a cabeça e o corpo de um lado para o outro. Eventualmente, este último hábito deve ter se assemelhado bastante à dança de namoro de algumas aves-do-paraíso. Skinner usou a palavra superstição porque os pássaros se comportavam como se achassem que o seu movimento habitual tivesse uma influência causal sobre o mecanismo de recompensa, quando na verdade isso não ocorria. Era o equivalente da dança da chuva para as pombas.

Um hábito supersticioso, uma vez estabelecido, podia persistir por horas, muito tempo depois de o mecanismo de recompensa ter sido desligado. Entretanto, os hábitos não persistiam inalterados na forma. Num caso típico, o hábito supersticioso da pomba começou como um movimento brusco da cabeça da posição do meio para a esquerda. Com o passar do tempo, o movimento se tornou mais enérgico. Por fim, todo o corpo se movia na mesma direção, e as patas davam um ou dois passos para o lado. Depois de muitas horas de "variação topográfica", esses passos para a esquerda se tornaram a característica predominante do hábito. Os próprios hábitos supersticiosos podem ter se derivado do repertório natural da espécie, mas ainda é justo afirmar que executá-los nesse contexto, e executá-los repetidas vezes, não é natural para as pombas.

As pombas supersticiosas de Skinner estavam se comportando como estatísticos, mas estatísticos que tinham chegado à conclusões errôneas. Estavam alertas à possibilidade de ligações entre os acontecimentos no seu mundo, especialmente entre as recompensas que desejavam e as ações que tinham capacidade de empreender. Um hábito, como impelir a cabeça para o alto num canto da gaiola, começou por acaso. O pássaro realizava esse movimento minutos antes de o mecanismo de recompensa entrar em ação. É bastante compreensível que o pássaro tenha desenvolvido a hipótese expeculativa de que havia uma ligação entre os dois acontecimentos. Por isso, impeliu a cabeça para o canto mais uma vez. Sem dúvida, pela sorte do mecanismo de sincronização de Skinner, a recompensa apareceu de novo. Se o pássaro tivesse tentado o experimento de não impelir a cabeça para o canto, teria descoberto que receberia recompensa de qualquer modo. Mas teria sido necessário um estatístico melhor e mais cético do que muitos de nós, humanos, para tentar esse experimento.

Skinner compara as pombas com apostadores humanos que desenvolvem pequenos "tiques" da sorte ao jogar cartas. Esse tipo de comportamento é também um espetáculo familiar em uma pista de bocha. Depois que a bola grande de madeira deixou a mão do jogador, não há nada mais que ele possa fazer para estimulá-la a se mover em direção ao bolim, a bola-alvo. Ainda assim, jogadores experientes quase sempre correm atrás da bola de madeira, freqüentemente ainda na posição inclinada, torcendo e virando o corpo como se para dar instruções desesperadas à bola, agora indiferente, e muitas vezes repetindo palavras vãs de encorajamento. Uma máquina caça-níqueis em Las Vegas é nada mais que, nada menos, que uma caixa de Skinner. "Dar uma bicada na chave" não é representado apenas pelo ato de puxar a alavanca, mas também é claro, pelo de colocar dinheiro na fenda. É realmente um jogo de tolos, pois sabe-se que as probabilidades estão arrumadas a favor do cassino -- de que outro modo o cassino conseguiria pagar suas imensas contas de eletricidade? É determinado aleatoriamente se um dado puxão na alavanca vai produzir a sorte grande ou não. Uma receita perfeita para hábitos supersticiosos. Sem dúvida, observando jogadores aficionados de Las Vegas, vêem-se movimentos que lembram muito as pombas supersticiosas de Skinner. Alguns falam com a máquina. Outros lhe fazem sinais engraçados com os dedos, acariciam-na ou lhe dão palmadinhas com as mãos. Certa vez lhe deram palmadinhas, e ganharam a sorte grande, e disso jamais se esqueceram. Tenho observado aficionados de computador, impacientes à espera da resposta do servidor, comportando-se de modo semelhante, por exemplo, batendo no terminal com os nós dos dedos.

Como podemos saber quais são os padrões aparentes genuínos, e quais os aleatórios e sem significado? Existem métodos, e eles pertencem à ciência e ao projeto experimental.

Um erro chamado de "falso negativo", consiste em deixar de detectar um efeito quando ele realmente existe. Um erro "falso positivo", ao contrário, consiste em concluir que algo está realmente acontecendo, quando na verdade não existe nada senão aleatoriedade.

As pombas supersticiosas de Skinner cometiam erros falsos positivos. Não havia nenhum padrão em seu mundo que ligasse verdadeiramente as suas ações aos resultados do mecanismo de recompensa. Mas elas se comportavam como se tivessem detectado esse padrão. Uma pomba "achava" (ou se comportava como se achasse) que dar passos para a esquerda faria funcionar o mecanismo de recompensa. Outra "achava" que atirar a cabeça para um canto tinha o mesmo efeito benéfico. As duas estavam cometendo erros falso positivos. Um erro falso negativo é cometido por uma pomba que nunca percebe que dar uma bicada na chave produz alimentos se a luz vermelha estiver acesa, mas que uma bicada com a luz azul acesa causa uma punição, desligando o mecanismo por dez minutos. Há um padrão esperando por ser detectado no pequeno mundo da caixa de Skinner, porém nossa pomba não o detecta.

Um erro falso negativo é cometido por um agricultor que deixa de perceber que há no mundo um padrão relativo a adubar um campo para a subseqüente colheita daquele campo. Um erro falso positivo é cometido por um agricultor que pensa provocar chuva, oferecendo sacrifícios aos deuses. Na verdade, não há nenhum padrão no seu mundo, mas ele não descobre esse dado da realidade e persiste nos seus sacrifícios inúteis e devastadores. De vez em quando, por acaso chuvas se seguem a rituais, e esses raros lances de sorte ficam gravados na memória. Quando o ritual não é seguido por chuva, assume-se que algum detalhe deu errado na cerimônia, ou que os deuses estão zangados por alguma outra razão: é sempre fácil encontrar uma desculpa bastante plausível.

6 comentários:

Péptideo disse...

achei q vc fosse colocar o messias alheio na caixa de skinner, no final do post.
iuhaseihoiheaoheoiehoehsauoiehuieasiehoiuehas

CassiO disse...

Boa idéia, vamos fundar um movimento: "Dark Crusaders (nome épico e tudo o mais) - os cavaleiros da razão"! Ótima acusação, não teria pensado nisso antes.

Mas é aquele esquema, sempre usei fenômenos naturais e suas diferentes interpretações ao longo do tempo como exemplo do quão pouco se sabia antes acerca deles e do quanto ainda pode se saber com os estudos que porventura venham a ocorrer. Antigamente se pensava que a chuva era um fenômeno sobrenatural e hoje se sabe que não. O mesmo ocorreu com toda uma gama de fenômenos aos quais a alcunha de sobrenatural foi atribuída, e o mesmo, em minha opinião, certamente ocorreria com todo o resto, desde que se quebrassem os grilhões que as religiões impõem nos indivíduos.

caio disse...

concordo com vc cassio, mas nao acho que a religião seja a grande culpada da nossa aceitação de explicações sobrenaturais para fenômenos do universo. Como exeplo, tomo as pombas de skinner, que eu duvido que acreditassem que uma força suprema deixava cair comida quando esta virava a cabeça freneticamente pra um lado. Isso faz aprte da nossa natureza animal, e criar uma mitologia acerca disso tudo foi conveniente, por diversos motivos, desde a explicação pra tudo isso até sei lá, controle social, manuntenção da ordem ou seja la o que for.

CassiO disse...

Então, na real a grande diferença disso seria o processo de racionalização que nós temos. Digo, apresentadas as evidências necessárias para um ser humano de que a chuva é um fenômeno natural e não sobrenatural, este analisaria os fatos apresentados e concluiria isso. O mesmo não ocorreria com uma pomba, mesmo porque ela não entenderia nem o ciclo da água =þ

O problema da religião é que ela prega o dogma, ou seja, a crença por si só, sem a necessidade de provas. Aqueles que creem no que a religião lhes diz, mesmo que tudo se mostre contrário ao que é dito, são considerados virtuosos e abençoados. Essa prática nada mais faz do que coibir o uso da razão, ao meu ver. Afinal de contas, "se me falam que tal coisa é assim porque é assim e pronto, então por que eu tenho que pensar como ela realmente é?" Vasculhe os anais da humanidade e será possível pontuar inúmeras situações onde a religião interferiu no processo de produção do conhecimento. E não é preciso voltar muito no tempo, se analizarmos a situação atual (como nós mesmos fazemos aqui, a exemplo do post do médico)veremos que a religião ainda exerce um profundo impacto nessas questões.

Copia disse...

Quem sabe o que é razão ou não é a filosofia...
Sempre pensei que 'continência'e 'humildade' era atributo chave para a ciência.

CassiO disse...

Obviamente, somente os filósofos têm (não abandono o acento até que precise) o direito de discutir sobre filosofia. Opa, falei de direito, não posso discutir isso também. Opa, falei de fala (embora tenha somente escrito e não falado), não faço um curso de línguas e também não posso discutir sobre isso.

Vou botar meu jaleco e ir pro meu laboratório quieto, e só vou publicar artigos em revistas especializadas, porque isso é o que a ciência tem que fazer e pronto.